terça-feira, 26 de julho de 2011

Pro inferno com a morfina.

Era um hospital de quinze andares bem no meio daquela metrópole -suja de sangue, álcool e fumaça; tudo misturado com o cheiro de suor-. Ele estava no penúltimo andar, na cama ao lado da minha, os curativos cobriam quase todo o seu corpo -fora alvejado por tantas balas que ficou parecendo uma peneira, com todos aqueles furos-; os remédios entravam por um tubo posto na veia do seu braço esquerdo junto com o soro, e o sangue saia em resposta: Por cada perfuração coberta daquele corpo desfalecendo.
Ele estava na cama da janela, e eu sabia que logo aquela cama passaria a ser minha... E, se não fossem aquelas transfusões que faziam, para repor o sangue que ele suava pelos poros, eu já teria visto o que tinha do outro lado daquela janela; então perguntei :
-Quando é que vais parar de beber o sangue alheio e partir de uma vez, vampiro de hospital?
-Isso também não me agrada, eu prefiro um bom wisky ou uma vodka. Mas, essa groselha que entra pelas minhas veias é que me mantem vivo, e viver é melhor que qualquer bebida.
Os enfermeiros tinham parado de dar as doses de morfina dele -eles usavam neles mesmos, ou vendiam-, e a dor era tão evidente na sua expressão que eu podia senti-la como se fosse em mim. Ecarei-o um pouco. Ele me retribuiu com um sorriso, cínico. Então continuei:
-Posso desligar os tubos se quiseres. Não vais passar dessa semana mesmo, e os enfermeiros viciados não vão mais te anestesiar.
-Não quero anestesia...
-Preferes sentir dor?
-O que mais eu sentiria aqui?
-Nada, as vezes é melhor não sentir.
-Idiota... -Podia-se notar o desprezo e arrogância no olhar que ele me lançou, e ele continuou... -Enquanto doer, vou saber que ainda estou vivo.
Calei a minha boca. Nenhum analgésico podia amenizar o que eu senti nos dias seguintes. O homem da cama ao lado sorria até o fim, contente por sentir. Ele me ensinou que isso era só o que importava.



*Me queime vivo ou congele-me até as coisas esquentarem o bastante para que eu derreta, mas não me deixe morno... O meio termo não me cabe, afinal se eu for grande vou passar por cima da cerca, e se for pequeno me esgueiro por baixo dela, mas, se for médio vou acabar preso... Eu, preso por uma cerca?

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