sábado, 27 de agosto de 2011

Sobre olhares.


Livros são mundos inteiros: seus países são capítulos; parágrafos são estados; e as palavras são lugares mais específicos: onde nos encontramos, ou nos perdemos mais ainda.

Naquela tarde eu era um astronauta... Cada estante me parecia um sistema solar: cheio daqueles planetas de palavras; e eu vagava fora de órbita por aquele universo de papel e tinta... Tudo que existe cabia naquela livraria, aliás: até o que não existe era cabível ali.

Ela entrou: com seus cabelos vermelhos, em cachos: uma cachoeira de flama; puxou um dos planetas -que estava escondido atrás de uma prateleira; possivelmente ela mesma havia escondido n'outrora-. Não consegui ver seus olhos: a haste lateral dos óculos impedia, junto com os cachos que caiam levemente por sobre seu rosto enquanto ela debruçava-se pra sobre o livro, agora aberto em suas mãos.

Pensei no que falar; pensei no que não falar; também me perguntei sobre o porque eu querer dizer alguma coisa... Até que, com medo que a oportunidade passasse e o momento se fosse, eu disse sem pensar:
-Nunca falei com ninguém só pela beleza... -Ela me lançou um olhar que era uma mistura de surpresa com desdenho, e voltou a ler- .
-Continuei: -Então eles são azuis... Azul gelo, certo? Acho adequado... Podes me fulminar com um olhar frio agora.
-Ela sorriu. Dessa vez de uma maneira condizente, e me olhou por cima das lentes:
-Espero que não faças nenhuma metáfora dizendo que meu olhar é um iceberg aonde estas à naufragar...
-Sorri diante da resposta. Ainda sorrindo respondi: -Não sou desses que querem amores de morrer, prefiro os que avivam... No máximo diria algo sobre como o azul gelo faz contraste com o vermelho flama dos teus cabelos, e, se depois disso teus olhos brilhassem, então eu soaria arrogante e diria que teus olhos são chama azul, e eles sendo chama eu sopraria-lhes as minhas palavras mais inflamáveis para que eles queimassem mais e me aquecessem, e enquanto houvesse calor eu me manteria ao alcance deles, mas se eles voltassem a ser gelo eu me afastaria... Naufrágios em olhos de gelo são muito cliché... É, isso seria o máximo que eu diria...
-Os olhos dela brilharam... E eu fitei-a esperando alguma resposta

Ela foi embora -como sempre-... As vezes imagino por onde e por quais motivos aquele olhar tem queimado... Nessas horas me sinto aquecido. Aquecido pela chama dos meus próprios olhos: olhando pro nada e vendo tudo, ou pelo menos tudo que vi naquele dia. Aquela visão me fez nutrir uma chama só minha. Viva.

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